quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Como saber quais os materiais utilizados numa pintura?

A matéria de que são feitas as cores é um dos aspectos habitualmente abordados no exame laboratorial de pinturas, mesmo num programa limitado à sua variante mais reduzida. A identificação de pigmentos e corantes – essa matéria – através da análise directa das obras, recorrendo a métodos não destrutivos, ou através de amostras recolhidas em locais seleccionados, procedimento este que é especialmente adequado à determinação da estrutura das camadas cromáticas, é extremamente informativa a respeito das pinturas efectivamente analisadas, mas apresenta algumas limitações especialmente quando se pretende caracterizar a obra de um pintor mais do que um determinado quadro. Estas limitações resultam, sobretudo, da pouca representatividade do conjunto de pinturas analisadas que geralmente se verifica por causa das dificuldades associadas à selecção das obras, as quais estão relacionadas, por exemplo, com a disponibilidade dos quadros, o seu proprietário, o seu valor monetário, histórico ou artístico, o seu estado de conservação ou a sua dimensão. Além disso, sucede que a identificação dos pigmentos é habitualmente feita em termos genéricos, raramente se indo além da substância responsável pela cor, não se obtendo informações sobre a diversidade de materiais que pode resultar das pequenas variações de composição associadas ao uso de várias marcas ou qualidades de tintas.

A distorção de que normalmente sofre a amostragem e as suas consequências nalguns casos pode ser atenuada pelo recurso a outras fontes de informação, ainda que assim surjam outros problemas e outras limitações. O estudo das fontes escritas, que pressupõem uma completamente diferente metodologia de exploração, constitui uma destas alternativas. Envolve, ou pode envolver, os tratados técnicos, sobretudo os escritos por pintores, os catálogos e os livros de instruções elaborados pelos fabricantes ou comerciantes de materiais para artistas, os depoimentos e os livros de memórias, a correspondência dirigida pelo pintor a amigos, familiares, comerciantes ou outras pessoas interessadas na sua obra, e documentação vária de natureza comercial que, com o passar do tempo, adquire um alcance muito mais vasto. Sobre a importância das fontes escritas, basta dizer que o conhecimento que hoje há da pintura italiana de finais do século XIV muito deve ao Livro da Arte escrito por Cennino Cennini cerca de 1390 – certamente o mais citado exemplo deste género.

Uma segunda possibilidade, apenas válida, no entanto, para o particular caso dos autores contemporâneos, é o acompanhamento directo do trabalho dos artistas e a recolha dos seus depoimentos. Pode assim obter-se informação que dificilmente se consegue de outro modo, a qual permite avaliar, com grande minúcia, a riqueza da paleta e a maneira de fazer a obra.

Uma terceira alternativa é proporcionada pelo estudo dos objectos e instrumentos de trabalho que equipam o atelier dos pintores e que chegaram até ao presente, nomeadamente pigmentos, caixas de pintura e paletas. Através de um meticuloso inventário destas colecções, por vezes complementado com análises químicas dos materiais que as integram, nalgumas circunstâncias é possível um detalhe que a análise das pinturas geralmente não proporciona, podendo precisar-se, por exemplo, as proveniências, os fabricantes ou as marcas dos materiais utilizados.

Obviamente, estas diferentes abordagens não são nem inconciliáveis, nem incompatíveis; pelo contrário, só se enriquecem mutuamente. Adoptar apenas uma delas, independentemente de ser a análise das pinturas, mais habitual, ou a exploração de outro tipo de fonte, só é justificável quando não é possível elaborar um programa de estudo integrado, seja porque não são conhecidas fontes de informação a respeito de um determinado pintor, seja por impossibilidade prática de análise das suas obras resultante de indisponibilidade das mesmas ou de dificuldade de acesso a laboratório ou equipamento de análise.

Extracto da introdução de:

António João Cruz, "A pintura de Columbano segundo as suas caixas de tintas e pincéis", Conservar Património, 1, 2005, pp. 5-19.

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