quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Para que serve à história da arte a identificação dos pigmentos utilizados numa pintura?

Os pigmentos são os principais responsáveis pela cor de uma pintura. Com origem natural ou sintética, estes materiais são formados por um pó muito fino, insolúvel, com cor intensa e estável – pelo menos idealmente. Fazem parte das tintas, onde se encontram misturados com o aglutinante – como o óleo, a gema de ovo ou a resina acrílica, por exemplo –, que mantém a coesão das pequenas partículas que constituem esse pó e as fixa, directa ou indirectamente, ao suporte da pintura. Actualmente os pigmentos estão disponíveis no comércio sobretudo na forma de tinta pronta a ser usada, vendida em tubos de metal (inventados em meados do século XIX), mas até ao século XVIII as tintas eram frequentemente feitas na oficina dos pintores a partir de pigmentos igualmente preparados na oficina ou comprados em boticas.

As primeiras análises químicas que tiveram como objectivo a identificação dos pigmentos usados em pintura foram realizadas em finais do século XVIII, sendo de destacar entre esses estudos mais antigos, pelo seu detalhe e profundidade, os efectuados por Humphry Davy, publicados em 1815. Durante o século XIX essas análises incidiram especialmente sobre pinturas murais, provavelmente pela menor importância que neste contexto era atribuída aos danos resultantes da recolha das amostras então necessárias para a identificação dos pigmentos. No início do século XX o extenso e ambicioso estudo realizado por Martin de Wild abriu o caminho ao estudo sistemático das pinturas de cavalete: realizando os testes de natureza química que permitem a identificação dos pigmentos num microscópio óptico, é possível usar amostras de pequeníssimas dimensões que, supostamente, não causam danos visíveis nas pinturas. Em Portugal, as primeiras análises foram realizadas no início da década de 1920 por iniciativa de Carlos Bonvalot, mas só a partir de finais da década de 1960, com o desenvolvimento do laboratório do então Instituto José de Figueiredo, começou a ser frequente a identificação dos pigmentos usados nas pinturas, ainda que durante muitos anos a publicação desses resultados tenha sido muito escassa.

Até meados do século XX, a identificação dos pigmentos usados em pintura fazia-se exclusivamente através da análise microquímica, mas a partir de então começaram a ser empregues métodos de natureza instrumental, designadamente métodos espectroscópicos, que, de uma forma geral, permitem fazer análises mais rapidamente, frequentemente com maior segurança e, por vezes, com maior detalhe, ainda que com custos muito mais elevados. Os desenvolvimentos tecnológicos mais recentes disponibilizaram equipamentos que permitem fazer análises directamente sobre as pintura, sem recolha de amostras e sem causarem qualquer dano, como é o caso de certos equipamentos de espectrometria de fluorescência de raios X, a partir da década de 1970, e, muito mais recentemente, de microscopia de Raman.

Complementarmente à análise química, muita informação útil a respeito dos pigmentos tem sido obtida através das fontes documentais, nomeadamente através dos tratados técnicos de pintura.

Não obstante esta história de mais de dois séculos, os historiadores da arte, de uma forma geral, têm mostrado pouco interesse por estes estudos e pela informação por eles proporcionada. Quando usam a informação disponível sobre os pigmentos ou fazem diligências no sentido de serem identificados os pigmentos nas obras que lhes interessam – o que nem sempre é fácil de conseguir –, os pigmentos geralmente são mencionados apenas de passagem, quase como uma curiosidade, e pouco ou nada acrescentam de útil a respeito das obras. Esta situação certamente que está relacionada com as dificuldades de colaboração que de uma forma geral existem entre historiadores e cientistas e, directa e concretamente, deve resultar do facto de os historiadores não terem informação disponível que lhes permita convenientemente aproveitar melhor a informação veiculada pelos pigmentos.

É neste contexto que este texto pretende encontrar na bibliografia da chamada história técnica da arte, em particular na incipiente bibliografia respeitante a Portugal, algumas respostas para a pergunta formulada no seu título. Pretende enumerar e ilustrar algumas das possibilidades de exploração da informação proporcionadas pelos pigmentos em termos que verdadeiramente possam ser úteis para a história da arte. Obviamente, ainda para mais não tendo outros trabalhos semelhantes de exploração e sistematização em que se possa apoiar, o levantamento efectuado não tem qualquer pretensão de ser exaustivo ou representativo, quer no que toca às questões abordadas, quer aos exemplos que para cada uma foram seleccionados.

Extracto da introdução de:

António João Cruz, “Para que serve à história da arte a identificação dos pigmentos utilizados numa pintura?”, in Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa, 5, 2006, pp. 445-462

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