A cor e a substância: sobre alguns pigmentos mencionados em antigos tratados portugueses de pintura
Nos antigos tratados de pintura e na documentação contratual que subsiste a respeito de algumas obras há diversos termos relacionados com os materiais utilizados em pintura que não é fácil saber-se a que correspondem. Entre os materiais nestas circunstâncias, os pigmentos e os corantes, isto é, os materiais responsáveis pela cor das tintas, possivelmente são aqueles que originam mais dificuldades. Nuns casos, uma designação pode corresponder a vários materiais, por vezes sucedendo que o nome de um pigmento se generaliza de tal forma que acaba por se transformar no nome de uma cor. Noutros casos, pelo contrário, um material pode ter várias designações, as quais podem ou não coexistir no tempo ou no espaço. Por poderem ser difíceis de detectar, possivelmente as situações em que é mais fácil fazer-se interpretações erradas são aquelas em que o material correspondente a um nome lentamente muda com o passar do tempo, quase sem se dar por isso. Outros casos complexos surgem quando a tradição da designação se perdeu e esta é apenas um nome sem qualquer conteúdo.
Quando nestes textos antigos existem instruções para a preparação dos materiais, os problemas podem ser evitados e as dúvidas podem ser esclarecidas preparando-se o material de acordo com essas mesmas instruções e, depois, analisando-se o produto obtido. Esta abordagem tem sido posta em prática e desta forma foi possível perceber, por exemplo, qual era o pigmento azul preparado a partir da prata. De acordo com os textos medievais onde está descrita a sua forma de preparação, entre os quais o Livro de como se fazem as cores – o mais antigo texto português sobre a preparação dos pigmentos, do século XV –, a prata deveria ter o mais elevado grau de pureza, mas o estudo experimental realizado levou à conclusão de que essa pureza tem que ser entendida no contexto da tecnologia da época. Afinal, este pigmento azul é um composto do cobre que constitui uma das impurezas da prata e não se forma se a prata, de acordo com os actuais padrões, efectivamente for pura.
Não havendo este tipo de indicações, ou não havendo possibilidade de realizar este tipo de estudos, a determinação do material que está por detrás de cada designação pode tentar-se através do confronto da documentação escrita onde o material surge mencionado, seja os tratados e os documentos contratuais, seja outros tipos de fontes, como os textos biográficos ou autobiográficos e os dicionários. Quando o contexto é relevante, pode usar-se também a informação obtida por análise química de pinturas.
Há muitas designações que têm equivalentes directos em diferentes idiomas e, por isso, havendo mais informação a seu respeito, torna-se menos difícil saber a que correspondem. Porém, também há termos de circulação muito restrita, limitados a uma língua ou a uma região geográfica e sem equivalentes evidentes noutras línguas. Nestes casos, quando os textos são traduzidos e publicados noutros idiomas costumam tais termos manter a sua designação original. Por exemplo, na tradução inglesa do tratado de Filipe Nunes, de 1615, feita por Zahira Veliz (1986), entre outros termos, foram mantidos em português as designações almagra, azul de cabeça, genoli, jalde, lacra, machim e preto, correspondentes a pigmentos e corantes.
Seguindo-se a abordagem documental atrás mencionada, pretende-se neste texto discutir o significado de algumas designações usadas para pigmentos amarelos em antigos tratados portugueses de pintura, nomeadamente, jalde, jalde queimado, jaldolino, jaldelino, janolino, maquim, massicote e jenolim.
Introdução de:
António João Cruz, “A cor e a substância: sobre alguns pigmentos mencionados em antigos tratados portugueses de pintura - pigmentos amarelos”, Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa, 6, 2007, pp. 139-160.
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