Os pigmentos utilizados em pintura por Henrique Pousão
A seguinte tese de doutoramento acabou de ser disponibilizada online:
Andreia Sofia Marcos Correia, Henrique Pousão’s Oil Paintings: Pigment Study by Infrared and Raman Microscopy, Lisboa, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2010.
Está aqui, com acesso livre.
Resumo:
A análise de obras de arte com recurso a técnicas analíticas tem demonstrado ser de elevada utilidade na determinação dos materiais e técnicas de trabalho usados pelos artistas, auxiliando em questões tais como autenticidade e escolha do tratamento de conservação ou restauro mais adequado. Em Portugal, o principal responsável pelo estudo, conservação e restauro de obras de arte (de natureza pública e privada) é o Laboratório de Conservação e Restauro José de Figueiredo (LCRJF), Instituto dos Museus. Durante a última década foi requisitada a este laboratório a avaliação da autenticidade de várias pinturas atribuídas ao pintor Português do séc. XIX, Henrique Pousão (1859-1884). Tido como um dos mais importantes pintores do Naturalismo em Portugal, o seu estilo único e original levou a que, por vezes, fosse considerado pintor do Impressionismo. Infelizmente, o número de referências bibliográficas dedicadas a este importante pintor é escarço e sobre os materiais e técnica por ele usados apenas se dispõe dos dados de um estudo, não publicado, conduzido no LCRJF em 1984. Para colmatar esta lacuna, a presente investigação tem como um dos principais objectivos identificar os pigmentos e corantes usados por Pousão em diferentes períodos da sua carreira, ou seja estabelecer a sua paleta. Em simultâneo, pretende-se caracterizar a técnica usada pelo pintor e avaliar o estado de conservação das pinturas. Com a ajuda de especialistas em História de Arte, foram seleccionadas para objecto desta investigação, 23 pinturas a óleo de Henrique Pousão, pertencentes ao Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, cobrindo quatro períodos cronológicos (Inicial, Francês, Italiano e Final) e dois tipos de suporte (tela e madeira) No estudo de 1984, recorrendo a testes microquímicos, foi possível concluir que as amostras das pinturas de Pousão são muito complexas, com uma estrutura em multicamadas, cada uma composta por um elevado número de pigmentos. A complexidade das amostras tornou óbvia a necessidade de uma abordagem envolvendo várias técnicas analíticas. Além disso, dada a reduzida dimensão das amostras e, uma vez que se pretende analisar individualmente cada uma das camadas, as técnicas a utilizar devem ser microscópicas e envolver recolha de amostras. Como os processos de análise são processos interactivos, ou seja novos resultados podem confirmar ou contrariar resultados antigos levantando novas questões, foi decidido iniciar esta investigação, usando duas técnicas analíticas principais e, sempre que necessário, recorrer a outras técnicas especificamente direccionadas para a solução das questões não resolvidas pelas primeiras. De entre as várias técnicas disponíveis no LCRJF que podiam ser usadas para a análise deste tipo de amostras foi seleccionada, como uma das técnicas principais a usar, a microscopia de infravermelho (µ-IR). A espectroscopia de infravermelho tem sido extensivamente utilizada há cerca de 50 anos para analisar compostos orgânicos e inorgânicos presentes em objectos de arte devido, entre outros atributos, à sua especificidade. Dadas as reduzidas dimensões das amostras de obras de arte, o desenvolvimento do microscópio de infravermelho e dos espectrómetros com transformada de Fourier, tornaram aquela técnica ainda mais adequada para este fim que, por isso, dispõe uma ampla base de dados. Outra técnica de espectroscopia vibracional, relativamente recente e que tem gerado grande interesse devido a atributos tais como elevadas resolução espacial (ca. 1 µm) e espectral (ca. 1 cm-1), excelente sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade, relativo baixo custo, curto tempo de aquisição de dados e, principalmente por poder ser utilizada não destrutivamente é a espectroscopia de Raman, em particular a microscopia de Raman (µ-R). Apesar de esta técnica ter sido considerada como uma das mais eficazes para a identificação de pigmentos, à data do início desta investigação e ainda presentemente, poucos foram os estudos realizados em pinturas de cavalete e, ainda em menor número os que consistiam na análise de estratigrafias daquele tipo de pinturas. Uma vez que µ-R é a técnica vibracional complementar de µ-IR e que os resultados obtidos em alguns testes preliminares foram muito encorajadores, µ-R foi seleccionada como a segunda técnica principal a usar neste estudo, também com o propósito de averiguar se será vantajoso para o LCRJF adquirir um equipamento deste tipo. Com o objectivo de responder às questões levantadas pelas técnicas principais (µ-IR e µ-R) foram seleccionadas três técnicas auxiliares, nomeadamente microscopia electrónica de varrimento com análise dispersiva de raios-X (SEM/EDS), micro-difracção de raios-X (µ- XRD) e microscopia de fluorescência (FM) com base no tipo de questões levantadas, acessibilidade e custo. Para além destas técnicas, e como é usual nestes casos, a microscopia óptica (OM) foi também usada para determinar a estratigrafia de todas as amostras. A complexidade das amostras, não só constitui um desafio para qualquer técnica analítica como permite testar a sua eficácia na identificação de pigmentos em amostras estratigráficas de pinturas a óleo. Deste modo e porque, em particular µ-R ainda não foi suficientemente testada para a análise deste tipo de amostras, o segundo objectivo deste estudo consiste em avaliar a sua eficácia e compará-la com a de µ-IR para o mesmo fim. 153 amostras foram removidas das margens e lacunas das pinturas em estudo e preparadas como estratigrafias (µ-R) e como estratigrafias de camada fina (µ-IR). Mais de 800 espectros de µ-IR e 2000 espectros de µ-R foram adquiridos e interpretados. Ambas as técnicas foram bem sucedidas na identificação dos compostos presentes nas amostras. µ-IR demonstrou ser mais eficaz na identificação de cargas e compostos associados, como por exemplo, caulino, gesso, quartzo, do que na identificação de pigmentos. Dos 18 compostos identificados por µ-IR apenas 11 são pigmentos. Contrariamente a µ-IR, µ-R demonstrou ser mais eficaz na identificação de pigmentos do que na identificação de cargas e compostos associados. Dos 41 compostos identificados por µ-R, 25 são pigmentos. As vantagens e desvantagens das técnicas analíticas µ-IR, µ-R, SEM/EDS, µ-XRD e FM, no que respeita a preparação de amostras, tempo de análise, resolução espacial, interpretação de resultados e serem ou não destrutivas foram também detalhadamente analisadas. Combinando os resultados obtidos por todas as técnicas analíticas foi possível estabelecer a paleta de Pousão como sendo constituída por 26 pigmentos e nenhum corante. Alguns dos pigmentos são pigmentos tradicionais, tais como óxido de ferro, oxihidróxido de ferro, celadonite, malaquite, amarelo de chumbo e antimónio, negro de osso/marfim, negro de carbono, realgar/pararealgar, vermelhão/cinábrio, laca de cochinilha, laca de garança, branco de chumbo e azul da Prússia, enquanto outros são pimentos do séc. XIX, tais como azul de cobalto, azul de cerúleo, ultramarino francês, amarelo de crómio, laranja de crómio, amarelo de estrôncio, amarelo de zinco, amarelo de cádmio, viridian, verde esmeralda, verde de Scheele, verde de crómio e branco de zinco. Quanto à técnica usada pelo pintor, em geral, as pinturas são caracterizadas pela presença de uma camada de preparação de branco de chumbo, sobre a qual foram aplicadas 1 até 10 camadas pictóricas. As camadas pictóricas, além de variarem significativamente em espessura (4 - 358 µm), em geral são constituídas por uma mistura complexa de pigmentos e foram aplicadas após secagem da camada de preparação ou da camada pictórica anteriormente aplicada. Foi ainda observado que as pinturas se encontram em bom estado de conservação, uma vez que não existem rupturas, destacamentos, protuberâncias/saliências, ou algum sinal de descoloração dos pigmentos ou de decomposição. Em relação ao segundo objectivo deste estudo, µ-R provou ser a técnica mais indicada para a identificação de pigmentos em amostras microscópicas, complexas de multicamadas devido aos atributos já referidos para esta técnica. Apesar disso, uma vez que cada técnica tem as suas próprias vantagens e desvantagens e provou ser útil em diferentes fases deste estudo, apenas uma abordagem envolvendo complementarmente várias técnicas permitiu obter o máximo de informação sobre as complexas misturas elaboradas por Henrique Pousão.