quarta-feira, 8 de junho de 2011

Metodologia e linguagem de trabalhos académicos
(7) O nome da radiografia

A radiografia é um método de exame de obras de arte extremamente útil, proporcionando informações sobre uma pintura ou uma escultura, por exemplo, que é impossível ou difícil de obter de outra forma. E isto sem causar qualquer dano à obra.

Radiografia é também o documento ou registo resultante desse exame, podendo esse duplo significado da palavra nalguns casos originar alguma confusão. Em inglês a situação é diferente já que é usada uma palavra para o método (radiography) e outra para o documento resultante (radiograph).

O método, mas também o documento, baseia-se no facto de os raios X, devido à sua elevada energia, poderem parcialmente atravessar objectos como pinturas e esculturas revelando o que não está à vista na superfície. Deste modo pode-se detectar, por exemplo, arrependimentos e repintes numa pintura, sobreposição de motivos pictóricos ou, naquela que é a situação mais espectacular, pinturas subjacentes de que não se suspeitava antes da realização da radiografia.

O método é também utilizado em várias outras áreas, nomeadamente em medicina. Aliás, a história da radiografia aplicada ao estudo das obras de arte, que começou em 1896, muito deve à colaboração de médicos radiologistas. Aconteceu isso em vários países, nomeadamente em Portugal, onde a primeira radiografia de uma pintura, tanto quanto há registo, foi efectuada em 1923 pelo médico Luís Quintela por solicitação do pintor e restaurador Carlos Bonvalot.

No meio médico é comum informalmente, mas não só, uma radiografia ser designada por “raio X” ou “raios X”, como em “fazer um raio X” ou “fazer raios X”, e, por isso, não é de estranhar que na área da conservação e restauro essas designações também sejam usadas.

Ainda que em qualquer um destes contextos seja óbvio o significado de tais designações, estas não são minimamente rigorosas, sendo inadequado o seu emprego num texto de natureza académica. Raios X é o tipo de radiação usado no método para obter o documento, mas não é o método nem é o documento. Além disso, os raios X são igualmente usados em diversos métodos de análise, que proporcionam informações completamente diferentes das da radiografia, pelo que, por essa lógica de dar ao método o nome da radiação envolvida, obter um espectro de fluorescência de raios X ou um espectro de difracção de raios X seria também obter um raio X!

Já a expressão “fotografia de raios X”, ainda que pouco utilizada,  é uma expressão correcta, pois uma radiografia mais não é do que uma película fotográfica sensibilizada pelos raios X, ou o seu equivalente digital, da mesma forma que uma comum fotografia é uma imagem criada por acção da luz.

Relacionadas com a radiografia, igualmente são correctas frases como “os raios X permitiram detectar a existência de uma pintura subjacente” ou “os raios X mostraram a existência de um repinte” ou, como escreveram em 1934 Roberto de Carvalho e Pedro Vitorino no título de um artigo, “A ‘Trindade’ do Museu do Porto vista aos raios X”. É que, em frases como estas, raios X não tem que ser sinónimo (errado) de radiografia, mas pode simplesmente indicar a radiação que tornou possível essas observações. De qualquer modo, a palavra radiografia seria também adequada em tais frases, com a vantagem de ser mais precisa por indicar mais especificamente através de que método permitiram os raios X tais observações.

Portanto, como nomear uma radiografia? Simplesmente através do nome... radiografia!

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