Já há alguns dias dei conta aqui da publicação de um volume que, além de disponibilizar os textos que resultaram de comunicações que foram apresentadas num colóquio internacional, publica duas fontes documentais portuguesas muito importantes para o conhecimento dos materiais usados em pintura. O volume é o seguinte:
Luís Urbano Afonso (ed.), The Materials of the Image. As Matérias da Imagem, Lisboa, Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa, 2010.
Das duas fontes aí publicadas, uma é o Livro de como se fazem as cores, do qual é apresentada uma nova leitura e uma nova tradução para inglês (que não obstante a sua importância, vêm juntar-se a outras leituras e outras traduções já disponíveis há algum tempo).
A outra fonte, conhecida como Breve Tratado de Iluminação composto por um religioso da Ordem de Cristo, ainda que já tenha sido citada em diversos estudos, estava inédita. Na perspectiva do estudo dos materiais e das técnicas de pintura em Portugal é a contribuição mais importante desse volume, pois disponibiliza uma importante fonte que era de difícil acesso. Como o facto pode passar facilmente despercebido, seguem-se algumas notas a respeito da obra, baseadas no estudo que acompanha a sua publicação.
O chamado Breve Tratado de Iluminação é uma obra anónima do século XVII, sobre materiais e técnicas de pintura, que até hoje se manteve inédita, não obstante o seu grande valor informativo e ter sido citada por diversos investigadores, pelo menos, desde 1977.
É o segundo de três textos que, juntos num mesmo volume, constituem o Códice n.º 344 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
O Tratado é, na realidade uma colectânea, provavelmente original, constituída por duas peças principais, a primeira das quais dá o nome ao manuscrito, e vários conjuntos de receitas escritos com diferentes caligrafias. É possível que as duas peças principais tenham sido compostas algures entre 1618 e 1640 ou, o mais tardar, 1650, havendo na primeira influências do tratado de Filipe Nunes, publicado em 1615. Em relação às receitas que surgem com outras caligrafias, algumas foram copiadas ou traduzidas de obras estrangeiras publicadas no século XVI e uma foi copiada do citado tratado de Nunes. Porém, para a maior parte das receitas, independentemente da peça ou da caligrafia, não foi possível identificar fontes literárias que possam ter servido de fonte e, por outro lado, há um significativo número de referências a contextos portugueses.
A primeira das duas peças principais, que abre o Tratado, segundo o anúncio feito no seu início, era constituída por três partes, mas do manuscrito só constam as duas primeiras – uma dedicada aos diferentes pigmentos usados em iluminura e forma de os preparar e a outra dedicada sobretudo às misturas de tintas.
A outra peça principal é um “Compêndio, e memorial, em que se dá notícia da pintura de óleo, e do aparelho que se requer, da medida dos painéis, das imprimiduras, do moer das tintas, e do tratamento e assentar delas e outros avisos”.
O manuscrito, no seu conjunto, evidencia uma perspectiva eminentemente prática e a obra, no essencial, é composta por receitas que apenas indicam os procedimentos técnicos que devem ser seguidos em diferentes situações. Essa abordagem prática é sublinhada quando, a propósito de alguns procedimentos, é acrescentada informação que confirma a sua validade, como, por exemplo, “vi moer” ou “isto diz quem aprendeu isto às suas custas”. Pontualmente, contudo, encontram-se no manuscrito algumas afirmações de natureza teórica, nomeadamente relacionadas com a construção intelectual que precede a execução material, a liberalidade da pintura ou a importância da geometria para a pintura.
Este tratado está agora facilmente acessível, ocupando as páginas 237 a 286 do volume agora publicado.