Tomar notas é algo de fundamental em qualquer trabalho académico e tanto mais importante quanto maior a dimensão deste. Por tomar notas quero referir toda uma série de coisas que incluem o registo de informações recolhidas de diversos sítios (publicações, documentos inéditos, observação directa), comentários a respeito de leituras, ideias a ordenar ou desenvolver, etc.
Até há pouco as notas tomavam-se exclusivamente em papel e quem isso fazia com frequência criava arquivos que nalguns casos podiam atingir dimensão e complexidade impressionantes. Um desses casos é o do arqueólogo e etnógrafo José Leite de Vasconcelos (1858-1941), cujo sistema de registo de informação foi assim descrito por Orlando Ribeiro:
O Dr. Leite escrevia tudo: coisas que ouvia, observações no decorrer das suas viagens, notas de leituras, reflexões e lembranças. Trazia sempre consigo uma carteirinha com verbetes para apontamentos e nunca saía sem os seus canhenhos de campo. Essas notas eram lançadas à pressa, muitas vezes a lápis, com uma letra que não raro fazia o seu próprio desespero e constitui o maior embaraço para os que manuseiam o seu espólio literário. Usava e abusava de abreviaturas e com frequência deixava as palavras por acabar.
[...]
O Dr. Leite nunca teve a ideia de quanto desespero podia ter evitado a si próprio se usasse apenas alguns tipos uniformes de papéis. Poupado até ao exagero, todas as aparas de tipografia lhe serviam, consoante as dimensões, de laudas, de cadernos ou de verbetes; estes eram de todos os tamanhos: nem os vocabulares, que enchem doze gavetas, têm papel semelhante e acertam rigorosamente no formato!
Toda esta papelada era sujeita a regras rigorosas de arrumação. Os apontamentos soltos seguiam o destino das matérias a que se reportavam, os canhenhos de bolso eram cortados em tiras e estas eram coladas em verbetes ou arrumadas assim mesmo, na confusão aparente dos seus diversos formatos. Os verbetes vocabulares recolhiam a opulenta messe da linguagem popular e da leitura de livros antigos. As outras matérias eram repartidas por certo número de caixas gerais; daí transitavam, depois de nova e mais minuciosa escolha, para pastas, onde os assuntos eram subordinados a certas rubricas amplas e arrumados por ordem alfabética [...]. As notas eram metidas nessas pastas à proporção que se esvaziavam, de tempos a tempos, as caixas gerais (“Notícia introdutória”, in J. Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1958, pp. XI-XII).
A importância desse tipo de registos é particularmente importante na área das humanidades, razão pela qual é frequente haver indicações a esse respeito nas obras, surgidas nesse contexto, sobre metodologia de investigação. Eis um exemplo:
O grande número de informações recolhidas pelo investigador ao longo da realização do trabalho necessita ser registado devidamente, de modo a facilmente se tornar acessível ao seu utilizador. Há pois que criar esquemas materiais de registo e organização dos elementos retirados das fontes consultadas, de forma que, aquando da redacção de um trabalho de Licenciatura, Dissertação de Mestrado ou Doutoramento, ou mesmo noutros tipos de estudos, o autor possa, com toda a facilidade, com a quase ausência de tempo imposta pela sociedade hodierna, redigir o trabalho que se propõe realizar.
Deste modo, poderemos mencionar dois tipos clássicos de fichas a que o discente deverá recorrer com vista ao registo e elaboração da sua informação: fichas bibliográficas e fichas ideográficas. Poderá utilizar ainda outros tipos de registo da informação, consoante a natureza do trabalho em causa, mas, dada a especificidade de cada trabalho, deverão ser discutidos com o respectivo professor orientador.
As fichas bibliográficas destinam-se ao registo das referências bibliográficas das fontes e bibliografia consultadas. Organizam-se alfabeticamente pelo último apelido do autor, no caso das línguas portuguesa, inglesa, francesa e alemã (em geral), mas, no caso da língua castelhana, deverá colocar os dois apelidos.
[…]
As fichas ideográficas destinam-se a registar as ideias retiradas dos livros consultados, e têm diversas funções, sendo tanto mais relevantes, quanto mais elaborada puder ser a leitura do estudo.
Deste modo, da ficha de leitura têm de fazer parte dois elementos fundamentais: por um lado, a referência bibliográfica da obra consultada; por outro, e no canto superior direito da ficha, um quadrado (feito pelo próprio investigador), onde vai inserir a temática para a qual aquela ficha interessa dentro do trabalho [...].
Nas fichas ideográficas, e como o próprio nome indica, o interesse reside precisamente nas ideias que nelas podem ser escritas, por vezes feitas com tal perícia que aí se pode já encontrar o embrião para a redacção do próprio trabalho (Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, Metodologia da Investigação, Redacção e Apresentação de Trabalhos Científicos, 2.ª ed., Porto, Livraria Civilização Editora, 2005, pp. 43-44 e 52).
Há poucos anos, sob a forma de blocos de notas electrónicos, começaram a surgir alternativas a este tipo de registos. Alguns desses programas são relativamente limitados e com reduzido interesse num contexto académico, mas outros podem substituir com múltiplas vantagens as fichas e as anotações tomadas em papel.
Entre estes últimos conta-se o OneNote, um programa relativamente pouco conhecido, ainda que faça parte do Office, da Microsoft.
Desde que o descobri, há alguns anos, é um dos programas que uso com grande frequência, tendo praticamente deixado de usar outros suportes e outros programas para as notas que tomo de natureza académica ou profissional. Mesmo quando fiz algumas tentativas para usar outros programas que em situações específicas poderiam ser tecnicamente mais vantajosos, alguns dos quais feitos por mim, acabei sempre por voltar para o OneNote. Acrescento que, de uma forma geral, o programa foi também rapidamente adoptado por aqueles que o experimentaram no seguimento de uma sugestão minha, por reconhecerem as vantagens daí resultantes.
Sobre o OneNote não se pode dizer muito, já que as suas capacidades e possibilidades de uso descobrem-se experimentando. No entanto, de uma forma concisa, seguem-se algumas indicações muito gerais que poderão dar uma ideia da lógica do programa e de algumas das suas funcionalidades. Mas, como disse, não há nada como se experimentar ou, pelo menos, observar-se uma demonstração do seu funcionamento – de que existem muitas na internet.
O OneNote é um programa de registo de informação e esta, do geral para o particular, é organizada em blocos de notas, que se dividem em secções, cada uma das quais contém páginas. Esta é a estrutura principal ou básica. No entanto, há mais duas unidades. Em primeiro lugar, as páginas podem conter sub-páginas. Em segundo lugar, as secções de um bloco podem organizar-se em grupos, sendo possível, contudo, que num bloco algumas secções estejam organizadas em grupos e outras não.
As sequências de blocos de notas, secções e páginas podem ser ordenadas como se quiser e para as páginas podem-se usar modelos pré-definidos, seja os modelos já existentes ou os que facilmente são construídos. Torna-se assim possível inserir a informação numa estrutura fixa (a estrutura de uma ficha, por exemplo), mas também guardá-la de uma forma livre.
A informação fica registada sempre nas páginas – e nas sub-páginas, que em termos de funcionalidades são exactamente iguais às páginas e que, por isso, não interessa estar aqui a distinguir.
A informação pode ser registada na forma de texto, imagem, som, vídeo ou qualquer tipo documento digital. Qualquer uma dessas informações pode ser colocada em qualquer lugar de uma página. No texto pode-se usar as fontes disponíveis, bem como as cores, os tamanhos e os outros habituais atributos.
Há um sistema muito simples de captura de ecrã que permite capturar o que está a ser visualizado noutro programa e que não pode ou não interessa ser copiado de outra forma.
Nas imagens que contêm texto é possível fazer reconhecimento óptico de caracteres (OCR)
Não há restrições ao número de blocos, de grupos de secções, de secções, de páginas ou de sub-páginas.
É possível estabelecer ligações entre páginas de modo que com um simples clique se salta de uma página para outra qualquer (que pode estar noutro bloco de notas).
Obviamente, é possível fazer pesquisa seja a partir do próprio programa seja a partir de programas de indexação.
Resumindo, permite fazer tudo o que se fazia em papel e muitas mais coisas e de forma muito simples. Além disso, graficamente o programa é muito agradável – algo que me parece muito importante. E, em termos de arrumação, necessita de muito menos espaço do que os arquivos em papel e é bem mais portátil.
Estranhamente, o Office para Mac não contém o OneNote. No entanto há algumas alternativas – referidas aqui. Entre estas, o Growly Notes, gratuito, parece ser o mais apreciado.